Descontínuo Reverso

Fotografia: Chema Madoz (Espanha, 1958).

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Do que esqueço

Foto: Grete Stern (Alemanha, 1904-1999). Sem Título, 1949.

Sempre dos gestos mais pessoais. Dos trejeitos mais repetidos. Esqueço dos meus modos nas situações. Das mãos na cintura quando converso em pé, e de como ergo o rosto pra soltar a fumaça do cigarro. Quando me descrevem, dizem do que mal percebo e do que é o menos passivo em mim. No descuido que o esquecimento permite, a restrita liberdade escapa. E os defeitos e falhas tão mal escondidos, os palavrões, a falta de tato, a evidência do cansaço, o excesso de cuidado, os pequenos melindres, a falta de paciência. Tudo bem figurado na descrição. Encarnado. Quando me chamam a atenção, perco o ritmo, tropeço e fico manca. Demoro a acertar o passo outra vez. A espontaneidade é coisa frágil.

3 comentários:

Lorde Velho disse...

Ler você de madrugada é arriscado... esse horário perigoso em que tudo parece mais sensível, em que todas as dúvidas parecem mais angustiantes e a realidade é menos densa (ou mais densa?). Sua escrita vibra certas cordas que a madrugada naturalmente retesa... leva a percorrer caminhos íntimos sobrecarregados de inconstãncias e terrores... sensação de inadequação... necessidade de contato com algo, com alguém, a cada dia mais remoto... E o fascinante é que você apenas fala de você... é possível perceber tão bem os pequenos detalhes de uma realidade, ao mesmo tempo banal e atroz, que é íntima, só sua... mas a corda vibra e é a minha realidade que reverbera, minhas coisinhas... tão banais e tão atrozes...
É assim que a arte deveria ser, não?

João Paulo Parisio disse...

Reverberar. Foi o que me ocorreu quando li.

Anônimo disse...

Priscila, já que o papo é "esquecimento"... cheguei, para não dizeres que esqueci daqui! :)

belo escrito! espero contar com muitos desses... espero sempre poder me deleitar com suas palavras!

bjo de poeta!