Descontínuo Reverso

Fotografia: Chema Madoz (Espanha, 1958).

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Interior 14: café


Paul Strandt (EUA, 1890 – 1976). Mr. and Mrs. Angus MacLean.

Levantei de manhã com vontade de tomar café em algum pé sujo que ainda não conhecia. Fui em direção ao lado pouco explorado da cidade. Passei ilesa por dois conhecidos, do terceiro não escapei, mas consegui ser rápida nas gentilezas da boa educação. Tinham me indicado um tal Esquinão, que logo que virei a rua descobri que não era na esquina e que se grafava Skinão, é claro. Entrei e pedi um café preto simples. Sentei do lado de fora, na mesa do canto esquerdo. Logo uma moça veio com o meu café: copo de bar extremamente mal lavado, com algum resto de alguma coisa indecifrável colada na boca de vidro lascado. Limpei com o guardanapo de papel e dei o primeiro gole: fraco, doce, e acompanhado de oito moscas hiperativas de tanto açúcar. Uma mulher gorda, com um coque enorme no cabelo grisalho e bigodes me cumprimentou com tanta intimidade que duvidei de minha memória que me dizia que nunca a tinha visto antes. Um senhorzinho pequeno, encolhido passou do outro lado da rua de mãos dadas com um menino careca, dando tanta risada, tão despreocupados os dois. Imaginei que eles moravam numa das casas velhas cheias de samambaias e gatos, e flores pequenas, cor de rosa que se enchem de abelhas pretas, e de repente comecei a sentir como se todos os velhos e velhas da cidade fossem meus avós e rissem comigo de mãos dadas, contando besteiras inesquecíveis. Entre anotações e leituras foram três cafés, os dois últimos com um pouco de sabão de coco, em espuma ou em pedaço, e uma manhã de sexta-feira sentimental/sentimentalista barata.