Descontínuo Reverso

Fotografia: Chema Madoz (Espanha, 1958).

domingo, 27 de junho de 2010


Geraldo de Barros (Brasil, 1923 – 1998)


queria hoje alguma coisa dessas que se camuflam
se fazem simples para continuarem nós
como esses filamentos retorcidos das orquídeas
se agarrando em árvores
como dedos nodosos de ancião doente
vazante daquele frio assustador do toque da tia velha
no rosto e no braço da criança
- da próxima desconhecida -
peso seco que não se ajusta ao seu mundo de menina
mas eu não tenho hoje a leveza necessária
e visão felina pra tantos entres
e termino o dia sem suspiro
exausta

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Espelho


Flor Garduño (México, 1974)Flor de San José. México, 1999.

sentida a distância toda tormenta minha
abuso do céu
(seca com nódoas azedas)
riscadas por finos frisos de fel
singrando sulcos da velhice no rosto
nas imagens de mim
vejo esse velho corpo corroído
viela com seixos sem rio
aguad’ouro pegajoso do sangue de todos os tempos
de todos os corpos abusados
amargura marcada no osso
pra além do pó do osso
sem rima possível

sábado, 19 de junho de 2010

Escrevendo com lápis de cor

Poesia-colagem para Rafael de Oliveira Rodrigues.




a infância não escreve
desenha letras
desencontras mapa
reconta lugares
e não

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Poesias e Colagens

O que segue é um livro artesanal, um livro-colagem. Uma experimentação com poesias e fotografias com a qual presenteei um grande amigo, Fernando Zanetti.
Como o tamanho das imagens da postagem e a qualidade do scaneamento não permitem que se leia as poesias, embaixo de cada página-colagem vai a poesia que a ela pertence.






no meio do caminho

a esperança usa menos plumas
aos trinta anos
e toma remédios azuis, redondos e grandes
pra dor de cabeça





visão

criança vê com as mãos
solução das mãos pro desconfiado
cambaleante pelas imagens cotidianas
olhos-faringe esgotam
amparo os olhos com as palavras das mãos





diálogo matutino


-sonhei que tropeçava.
-onde?
-nos meus próprios pés. corria e tropeçava. corria e tropeçava.
-e depois?
-acordei soluçando.




Viajar

Meu pensamento é o que o mundo me oferece.
No sonho tem um silêncio do mundo.
As palavras do sonho saem do que não fala.
Da gestação no objeto.
Depois vãos pras bocas dos homens.
Mudam as formas.
Alteram as idades.

Cada pedra posta em construção.

Dédalo também jogava dados.
Descobrem o que ocultou a oferta do mundo.
Depois da viagem, ser outra vez distante é vital.
No sonho revisito a cidade e ela pode então me falar.




livramento


secreto no palato
o ato
palavra secreta coágulo




Colagens a partir de fotografias de:
Pedro Polônio
Tina Modotti
Karl Blossfeldt
Jacques – Henrie Lartigue
Manoel Álvarez Bravo
Nicolás de Lekuona
Imogen Cunninghan
Robert Desneau
Paul Strand
Wilhen Von Gloeden
Alfred Eisenstaedt
Mariana Yanpolky
Oscar Gustave Rejlander
Edouard Boubat

Das sombras


Alexander Rodchenko (Rússia, 1891 – 1956). Cerca del monasterio de Novodevichi, 1929.


enroscada no casco – concha
- matéria de caracol -
a vida em nós
em fina franja
enlameia bordados de tempo-perspirante
tecido no sereno da casa oca
habitada pela lesma-monstro
que corrói com seus líquidos
- viscos sem nome -
qualquer interesse pela luz

quinta-feira, 10 de junho de 2010

silêncio cheio


Ansel Adams (EUA, 1902 – 1984). Oak Tree Snowstorm, 1948.


sentado na borda
na eminência de
- salto ou grito –
o susto foi o desenrolar
branco e azul onírico
de silenciosas penas