Descontínuo Reverso

Fotografia: Chema Madoz (Espanha, 1958).

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Start


Henri Cartier-Bresson (França, 1908-2004). Sidewalk Cafe, Boulevard Diderot.


Para Rafael

esperando na calçada os carros passarem
acendo um cigarro e vejo você do outro lado
indo na direção de um orelhão
andando seu andar que joga as mãos pra trás
falamos de um começo que pode ser
e é uma adivinhação pretérita:
então foi quando
coisas que nos contaremos tão diferentes
deixando os dedos sombrearem rente à carne
atravesso a rua e ando atrás de você
que ainda não me viu
e espero na cadeira do Café Alvorada
cabeça inclinada na meia luz onde aprendo a te ver

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Embarcação


Priscila Miraz. Vitória, ES, julho de 2008.

Para Pedro

hoje as águas da minha casa amanheceram vazantes
vindas da coifa da pia do banheiro
da talha de barro da cozinha
do registro da parede
limpas e abundantes
correndo pra algum mar
que se vê de um porto da Dinamarca
levantando do chão branco
o cheiro da poeira que traz o vento forte
de algum mar que se esconde
num buraco escaldante dessa areia
caminhando no sono tormentoso deitado nalguma ilha
era hóspede perplexa da casa alagada

domingo, 21 de dezembro de 2008

no meio do caminho


André Kertész (Budapeste, 1894-1985). Budapeste.


a esperança usa menos plumas
aos trinta anos
e toma remédios azuis, redondos e grandes
pra dor de cabeça

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Inquietude


Sergio Larrain (Chile, 1931). Paris, 1959.


a espera amordaçada debate
mãos e pés e tronco
não tira a mordaça
engole a própria saliva
e alimenta
pequenos afogamentos diários

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

À moda da casa


Man Ray (Estados Unidos, 1890-1976).


ainda estou aqui na companhia
da que joga cartas pela janela
e os pombos levam em vôos rasantes
elas caem nos telhados
enroscam em galhos desmancham na água
infiltram nas lajes e gotejam sal
ainda estou na companhia
da que bica os rebocos estufados das paredes
e lambe a areia doente do carcomido
grunhe aos passantes relincha um berro que arde
esconde o rosto na barra da saia molhada do trabalho
ainda estou aqui na companhia
da que lambe os joelhos ralados
pra sentir o gosto do ferro
e me acomodo no canto da cozinha
escuto o rangido da cadeira quando me mexo
escuto o chiar da chaleira que prepara a água
eu bebo a água suja
na companhia da que limpa a terra
que marca o meu rosto
com a palma da mão tão seca tão pobre de mapas
e durante as chuvas das noites
sou eu que durmo em rodilha aos pés da cama

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Pausa


Henri Cartier-Bresson (França, 1908- 2004). Sem título.




. . .

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Gumes


Imogen Cunninghan (EUA, 1883-1976). Black and White Lilies, about 1925.


veio andando de longe com os olhos fitos em mim e achei mesmo que não iria parar, que iria me atropelar com óculos escuros, continuar a carreira desmedida na pressa, na urgência que ele tinha, e quando estacou eu devo ter soltado um suspiro, e com a mesma pressa ele me perguntou, e a tua ferida? sem a minha resposta tinha a minha boca aberta, sentia a ponta da faca entre os ossos da costela, onde esconde tua ferida? e o corpo dobrava sobre o meu, passava gente ao lado, passava gente escondendo, dobrando panos, calçando os pés, onde? eu segurei a faca pelo gume, pelo susto, pelo olho cego, pelo abandono sentido à mingua, segurei a resposta pelo gume, onde a tua ferida? sem os óculos, sem a presa, sem a carreira desmedida, onde esconde tua ferida? ele sentia a ponta da faca entre os ossos da costela.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sentenciada


Herbert List (Alemanha, 1903-1975). Parco dei Mostri di Bomarzo, 1952.


à moda dos antigos castigos:
uma mancha de nascença
enorme mapa avermelhando desventura
carregado nas costas
estigma queimado no útero
mão indelével das tragédias
em cada sorriso o bafejo de Queres.

domingo, 26 de outubro de 2008

Gravura


Hildegard Rosenthal (Suíça, 1913- 1990). Lasar Segall, 1939-1941.


Ao lado dela sentada, um gramofone tocando um disco chiado. Nervos de aço. Segurava a barra do vestido fechada apertada na mão sem circulação. O rosto penso declinava uso de músculos. Zelita guardava. Pela persiana torta da janela entravam os sons e a força do calor da tarde modorrenta. Vivia onde os homens não têm rosto. Os abraçava pouco. Por uns trocados a mais abraçou o homem a pedido do estrangeiro. Era sempre o seu rosto de frente. Ele queria o seu rosto em preto e branco. Com todos os traços agudos. Zelita se explicitava. Os olhos olhando. O estrangeiro tirava o bloco do bolso da calça e rabiscava o abraço. Um vulto de costas. Uma nuca suava. Um corpo a mais no Mangue. Eles moviam os membros com lentidão. O ar pesava. O silêncio. Salvava os latidos dos cachorros. Um uivo. Uma briga. Ainda estavam no mundo. Depois passava. Os outros quartos murmuravam. As coisas que diziam escapavam. Os pensamentos da madrugada. O que devem pensar os mortos. Zelita pensava os mortos. O vulto do abraço enxugou o rosto num lenço amarrotado. De costas. Esquivou pela porta aberta. Devia se imaginar vivo. Mas Zelita ouvia o que pensava. Ajeitou as alças do vestido molhado de suor. Ao lado dela sentada, um gramofone tocando um disco chiado. Nervos de aço. Segurava a barra do vestido fechada apertada na mão sem circulação. O rosto penso declinava uso de músculos. Zelita guardava.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Composição sobre a frase do filho


André Kertész (Budapeste, 1894-1985). Livro de Elisabeth.


quando escuto os seus pés
colando e soltando em estalidos
da madeira do chão
(soluços descalços)
quando abre a água do banho
sendo a chuva da casa no meio da tarde
forja o tempo preciso;
contrito
ultrapasso o trópico do corredor
chego ao canto da sala junto à mesa
estendo o corpo no mosaico dos seus coloridos
pequenos pedaços da imaterialidade que é você
secreto te componho e me aposso:
seu mundo faz festa comigo.


segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Notas cotidianas


Horacio Coppola (Argentina, 1906). Buenos Aires, Frutería, 1936.


Anúncio de loja de mel, Buenos Aires:
“La lengua es la peor parte del cuerpo: adúlcela”

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Visão


Grete Stern (Alemanha, 1904-1999) El ojo eterno, hacia 1950.


criança vê com as mãos
solução das mãos pro desconfiado
cambaleante pelas imagens cotidianas
olhos-faringe esgotam
amparo os olhos com as palavras das mãos

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Assassinato


Bill Brandt (Alemanha, 1904-1983). Campden Hill, London, 1949.

depois de limpar os cantos da boca
no guardanapo de pano
matou
sem o aconchego da tristeza
(sua existência)
tinha à frente do corpo
a fria figura de um homem comum

sábado, 4 de outubro de 2008

Interior 9


Tina Modotti (Itália, 1896 - 1942). Madre e hijo, 1929.


Refugava transeunte a caminho. Perninhas encaixadas no quadril floral. Berrando feito bezerro desmamado. Coando o amargo com a voz de calmaria. A mãe. Reconhecida e gastada. Boi boi boi. Boi da cara preta. E o boi não pega a criancinha. Cortaram o pasto. Tem asfalto. O menino a cavalo leva os bois mais longe. Atravessa o canteiro da avenida nova. O fio fino continua. Boi boi boi. E o bezerro desmamado. O carro buzina. Céu de fim de tarde.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Adeus


Imogen Cunninghan (EUA, 1883-1976). Phoenix Recumbert, 1968.
Conto publicado em A Garganta da Serpente.

E não é por não te querer mais. Só que a única coisa possível de te dar por algum tempo é esse rosto seco e duro que restou depois de metido no chuveiro e onde talvez tenha me permitido alguma lágrima. Não é por mérito ou por força ou por fraqueza. As medidas só existem como tentativas de definição e eu sempre busquei em você as sobras que não cabem, aquela última luz laranja do dia que por descuido a gente olha e não guarda e segue. Não é pelas mulheres. É por descaso das palavras e dos gestos, esa arquitectura de la nada, encendiendo sus lámparas a mitad del encuentro. Não é raiva. É decepção por saber que seja qual for a decisão que tome por você, será aceita sem uma palavra que me contradiga. E o que restar não passará de um desconforto, um incômodo, uma pequena pontada no seu estômago que os afazeres do dia farão esquecer e que por qualquer motivo sutil a memória trará em relâmpago, deixando o esforço por se lembrar dos restos perdidos. É por me recusar a ser a única doadora. É por não ser capaz de me recolher no teu abraço sem ter já a boca pronta pra dizer que vai embora. E não é por estupidez que as minhas esperas patéticas e inúteis ainda vão durar por algum tempo. Mas é por falta talvez, que você não esteja entendendo esse adeus.


Tomara que não, mas essa pode ter sido a última vez. Fechou o portão e não parou depois de trancá-lo para ver os passos que iam pelo asfalto cheio da garoa da madrugada. Tomara, tomara que não. O sinal gritava sempre um minuto antes, sempre roubava o minuto e isso era imperdoável. Logo depois o inspetor que acabara de soar o sinal já estava parado olhando pra cara de todos com um dos ombros encostado no batente da porta, com a lista das classes e os horários das aulas nas mãos conferindo quem estava, quem faltava, resmungando de mau humor e aumentando o dos outros que já não era pouco aquelas tantas da tarde. Era sempre aquilo e ainda o engolir do café frio no copo de plástico, atravessar o pátio pensando que podia ser melhor, que um dia vai ser melhor senão não vai dar, senão se perde, e o perder e ganhar ali era uma trama, um conluio do qual sempre se participava e do qual sempre se era externo. Boa tarde. Eles ouviram ou não. E aquilo era uma relação humana. Humanamente bruta. O caminho percorrido por anos com chuva com frio com muito calor com alguma esperança triste, la tristeza que tuvo tu valiente alegria. Uma valente alegria encerrada em envelope verde e jogada em frente àquela porta. Na última tarde antes das férias fez meia-volta no caminho da casa e buscou pra si uma rosa. Voltou A Moça com a Flor, de mãos envelhecidas com uma rapidez que foi capaz de assustar e constranger o amigo por dois anos distante. Assustar e constranger. Uma espécie de Ms. Delloway, editora da história. Complicadora da história. Entrando pelo portão voltou até a madrugada anterior e Tomara que não, mas essa pode ter sido a última vez. Tomara, tomara que não.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Declaração (trecho)


Cristiano Mascaro (Brasil, 1944). São Paulo.


Se ela estivesse ali, diria que sabia que agora ele abriria a cortina da cozinha, porque a chuva começou e com ela o escuro do dia. Que só assim abria a cortina da cozinha, quando vinha muita água. E era o fim do dia com muita água. Com as mãos apoiadas na pia gelada ficou olhando lá fora e pensando nela e no que ela diria. E sentia tanta raiva vindo de um jeito desacostumado nele que encheu o peito de ar e custou a soltar outra vez. Suja de respingos de café, amarfanhada das leituras a carta em cima da mesa. Um pedaço, um destroço que se materializava:

Eu sou pior. Pior que essa cara gelada que te deixei ver hoje. Muito pior. O que eu quero é egoísta. E você vê isso com muito mais clareza do que eu posso ter. O que disse é só um pouco do que tem guardado sobre mim. Deixou que eu soubesse só disso, com a cara escondida no escuro da sala, revirando os dedos pelo rosto. Viu como eu sei: é o que as tuas mãos calmas me diziam. E você se perde nisso que não tem nome, nesse espaço que é nosso. Que sim, temos um espaço. Estranho. Ele existe nisso que não entendo. A sua percepção é boa. Certeira. Você me passa a idéia de nunca se confundir. De sempre saber o que deve fazer. Mas isso não protege. Nunca. Veja, hoje você precisou de mim. Precisou que eu te desse a minha energia. Mas eu não dei. Porque estou comodamente recebendo de você. É isso que quero. Receber de você o meu alívio. Egoísta. Mas você não diz. Eu queria que você dissesse. Sabe. Aquele começo de arrepio que dá por dentro quando a gente sabe que vai ouvir uma coisa indesejada, uma coisa que vai nos deixar mal. É uma volúpia. Eu quero que você me diga que não gosta. Que aquilo pra você não diz nada. Você quer dizer agora, às vezes você diz indiretamente. E já sei que quando você disser vou fazer cara de quem tenta não se ofender. E vou sentir raiva. Vou congelar de novo. Sabe o que é? Hoje foi também. Cara de quem não gosta de ser contrariada. Ainda mais por você que está aí pra me fazer me sentir bem. Que não deve me dar incômodos. Egoísta. Esse será meu mote agora. Isso foi uma resposta? E eu direi que não. Que é por tanta coisa que não é você. E não estarei mentindo. Isso é assim. As coisas vieram com mais força antes de você. Mas você soube desviar. Infringiu as regras. Excitante como uma ameaça.


segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Interior 8


Paul Strand (EUA, 1890-1976). Katie Margaret MacKenzie.


Quando a menina era menina gostava que a mãe lhe dividisse os cabelos ao meio e fizesse um pequeno coque de cada lado da cabeça. Usava o vestido de xadrez miúdo, laranja e branco até os joelhos. A sandália era de couro marrom e ela queria que fossem sapatos brancos de fivela. Com o dinheiro enrolado na mão direita e as recomendações do pai pra prestar atenção na rua, não conversar com estranhos e voltar o mais rápido possível porque ameaçava chuva forte, a menina foi. O caminho cotidiano se mostrava pela primeira vez. Séria e compenetrada fez a compra em menos de quinze minutos, mesmo tendo esperado um pouco na fila da padaria do mercado. Iniciou a volta estampando a descompostura exultante da satisfação por ter feito tudo sozinha. Reolhou as coisas do caminho ainda mais uma vez outras. E sentiu a barriga gelar quando a pedra do jardim de uma casa andou. Diminuiu o passo e a respiração. Sem muita demora a memória das ilustrações dos cartões dos Chocolates Surpresa lhe acorreu no reconhecimento do enorme jabuti. Sem prestar muita atenção aos próprios movimentos, sentou-se na calçada em frente ao bicho, estendendo o saco pardo com os pães ao lado. Anos mais tarde não saberia dizer o que exatamente observou no animal. Provavelmente os detalhes dele. Deve ter achado que parecia um homem velho e triste. A lembrança voltaria nítida quando o jabuti já entrava outra vez no mato alto do jardim e a voz gritada do pai lhe alcançava ao mesmo tempo em que sua mão, que com um só puxão lhe pôs em pé. E ainda os grossos pingos da chuva. Outra vez a memória cede. Não recorda o que lhe foi gritado, mas o rosto vermelho do pai que grita lhe causa vertigem. Sabe que deve uma explicação. Sente raiva e um impulso tremendo de esconder dele o jabuti: queria alcançar a margarida branca. Foi de volta pra casa soluçando um soluço que doía a garganta. Enquanto a menina foi menina, voltou muitas vezes secreta até a casa do jabuti.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Preto no Branco (trecho)


Herbert List (Alemanha, 1903-1975). El espiritú di Licabeto I, Atenas, 1937.


Queria fumar no degrau branco da cozinha. Ver a chuva afogando o mato do fundo da casa, estragando as rosas abertas. Mas não tinha cigarros. A fineza da sombrinha servia minha ausência. Foi com ela que saí pra baixo d’água. Achei a padaria ainda aberta. Eu não sorri pra moça do caixa naquela noite. Eu não vi a moça do caixa quando estendi a mão molhada e vi mais que senti as moedas do troco na palma. Queria voltar e sentar no degrau branco da cozinha. E fiz a volta longa. Não era costume, mas servia à minha ausência. Parei sob o toldo da barraca de caldo de cana fechada. Resolvi acender um cigarro ali. Só me dei conta das pernas das calças molhadas até os joelhos quando me apalpei procurando o isqueiro que não estava. Aliás, nem as chaves. Imaginei o chaveiro grande e brilhante se balançando do lado de fora da fechadura do portão branco. Como muitas vezes. A mão da prostituta tinha um isqueiro e acendeu o meu cigarro. Ela eu vi porque a minha ausência reconhecia o branco leite do esmalte dela. Ela fumou também. Olhou a chuva de frente e os meus pés em chinelos de esguelha. Eu também me olhava de esguelha e a chuva de frente.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Café


Henri Cartier-Bresson (França, 1908- 2004). Martine Frank, Paris, 1975.


levantou os olhos de dentro da xícara carijó
enganchou de viés uma braveza nem sabida
trouxe o revés de direito
na boca vazante do pressentido
não pede nem deve
o consentimento pro uso do possessivo

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Trecho de conto


Eugène Atget (França, 1857-1925). Intérieu Avenue Montaigne: la cuisine, 1910.


Naquela manhã do dia 21 de junho abriu a janela da cozinha com descuido de coisa costumeira. A pequena janela de vidro sujíssimo que guardava alta a parede da cozinha. E aberta a janela e as narinas, inspirou fundo e trouxe o frio pra dentro do corpo em pequenas agulhas de cristal azulado, sapatinhos de pregos perfazendo o interior oco do corpo. Foi como se cócegas espasmassem a casca da velha protegida em coisa de lã. Sentiu doer repentinamente o canto esquerdo da boca, como se recebesse ferimento naquele instante, pra logo em seguida conferir que os latejos eram os mesmos de sempre. Só tinham despertado em atraso naquela manhã aurora.
Em outro lugar não poderia encontrar minha tia.
A voz do menino, mucosa. Procurou a tia por mais de uma semana. Reviu a cidade depois de anos. Ainda podia movimentar-se nela com a memória. E encontrou a casa com a tia metida dentro, azulando o ar com a respiração velha. Não respondia ao menino. Olhava detrás dos olhos parados nele.


sábado, 6 de setembro de 2008

Rasuras


Dorothea Lange (EUA, 1895-1965).


girava o barulho dos saltos
cimento gasto
gostar desbotado
desconsolo ponteado no barro
carro de arrasto leve
seus meneios de garça
a mão delatava nas costas:
incidia caprichosa as pegadas mais duras

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Dito impopular


Edouard Boubat (França, 1923-1999). O menino.


numa tal vez
- improviso discreto –
longe foi o relâmpago
travessado pro alto
cegueira de lume
caída nas fuças

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Escrevendo com lápis de cor


Edouad Boubat (França, 1923-1999). Brasil, 1985.


a infância não escreve
desenha letras
desencontra mapas
reconta lugares
e não

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Sesta


André Kertész (Budapeste, 1894-1985). Rue Vavin, Paris.


Foi um baque. Só um. Pela janela a menina viu a semicúpula que cobria a cabeça. E o hálito quente do resto de respiração que vazava dela. Sentiu os rumores da casa nas palmas das mãos que seguravam o parapeito. Antes das vozes atingirem a rua era único o som do cansaço que chiava pelas pedras quentes.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Ritornello


Eugène Atget (França, 1857-1925). Corsets, Boulevard de Strasbourg, 1912.


À Ligia C.

café das cinco frente a frente na mesa
sem vento sem sol
conversa sussurrada de origem perdida
longevidade remoçada em décadas
polindo com a manga da blusa
o espelho de cabo torcido
esfera pequena refletindo mil rostos
moeda virada: reverso da Iara.

domingo, 17 de agosto de 2008

Do outro jeito


Sergio Larrain (Chile, 1931). La sirena.


eu sou do outro jeito
não me são dados volteios e salamaleques:
inspiração ao canibalismo
oferecimentos das postas pulsantes
cruas.


quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Pretensão


Dorothea Lange (EUA, 1895-1965). Trabalhador itinerante de algodão, Alabama, 1940.


os dias ventados de agosto
num leva e traz
redemoinham lembranças fora da coleira:
um saber de argila fina que desmoronou tarde
passo após os cacos e o reencontro triste
com olho vazado preso pelo nervo
exposto

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Oco


Sergio Larrain (Chile, 1931). Valparaíso, Chile, 1963.


costume da voz correr esses caminhos
mares montanhas cerrados planura seca
viva e plena
não chega nunca mais, meu bem,
vibra longe longe
e só vai.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Queres


Albert Renger-Patzsch (Alemanha, 1897-1966). Bosque em novembro, 1934.


mulher fiando o quinhão
sabe ecos dedilhados
ajusta radares
leva recados
descorporificada

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Rodoviária


Foto: Manuel Álvarez Bravo (México, 1902-2002).


A dona Zeli enchia o espaço ao redor do orelhão com a sua boca sem dente algum, com seus pés bailarinos de desespero sem calçado algum. Dona Zeli era a protuberância do espaço de trânsito. Era o estável no seu desalento chorado à pinga. Fez o homem sério ao meu lado se mudar. Tentou antes algum olhar cúmplice comigo. Encontrou meu encanto desarmado borboleteando dona Zeli.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Nau


Foto: Manuel Álvarez Bravo (México, 1902-2002).


singrando os riscos
brilhos puídos do visco
caramujeio na carapaça defunta.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

O ciclope cego (trecho)


Karl Blossfeldt (Alemanha, 1865-1932). Blumenbachia hieronymi - Loasácea, cápsula de semillas abierta.


Quando sua memória parecia entorpecida pensava e depois se dava conta de que não era mais que uma lembrança. Que sempre tinha sido a mesma resposta no mesmo momento de desespero, a pergunta sempre a mesma pra mesma resposta, nem a inflexão era outra e sim poderia ser, era um perder-se de possibilidades sempre invisíveis ao toque cego desses momentos repentinos. E quando abria seu único olho: a mesma resposta estampada em um rosto de único olho impossível de reconhecimento, a risada soando longa e lenta e estranha aos ouvidos despertos pela curiosidade.

Livramento


Mariana Yampolsky (EUA, 1926-2002)."Así la construí". Tzicatlán, Puebla, México.


secreto no palato

o ato:

palavra secreta coágulo

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Fátuo


Werner Bischof (Suiça, 1916-1954). A bailarina Anjali Hora, Bombay, Índia, 1951.


Estufo o peito
no trago
cigarro-de-palha
fogo-neblina
grunharpeja


na tumba corada
o desejar surpreendente
quindarfa.

terça-feira, 17 de junho de 2008

inerência

Herbert List (Alemanha, 1903-1975). Polvo, Corfú, 1938

hoje ele apareceu sem o siso
entre os olhos e dizendo
que me vendo ler lá na mesa da cozinha
pressente envolvendo minha cabeça
um escafandro foscotransparente.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Lembrança do presente

Fotomontagem: Grete Stern (Alemanha, 1904-1999).

Descida da rua (quando o próprio de cada caminhar se intensifica), percebeu o acento inscrito com a perna direita. Subitamente reavi (e no subitamente tantos reempossamentos poderiam caber) a sala do médico e as medições. Talvez uns milímetros de diferença encurtando a perna direita. Sugestão suficiente ao corpo que criou seu soluço no móvel. Curto suspiro de desafogo do peso todo que é ir. Entre as risadas o manquitola. Minha gagueira descoberta e transposta. No que é permitido contínuo no trato de esvair e reencher, o quebrado de tantas vozes. Retomadas outras. Exuberância invisível de repente apontada como uma cauda de pavão recolhida. Agora fui uma girafa manca.

sábado, 7 de junho de 2008

Interior 7: dos epítetos


Tomás Camarillo (Espanha,1879-1954). Poyos – Plaza.

Sofro do mal de ter gosto por lugares pequenos. Um gosto volátil. Ver as praças e vielas, as casas velhas e os quintais de cachorros modorrentos e estridentes, as feiras das sacolas desfiadas, os velhos do carteado e do dominó, as velhas das linhas coloridas, de crianças impertinentes e vergonhosas, as faltas e sobras dos adultos, o desequilíbrio, as árvores esquálidas e de fronda amarela de pequenas flores que me agarram no pulo da passagem. Vejo ser puxado do meu corpo um pequeno pedaço de melancolia destilada numa terrível inquietação. Nas capitais eu estou nos lugares enrodilhados. Separo e me segrego. Tenho minhas escalas de vivência. E o jogo de alternância entre elas é sempre arrebatado pelas sutilezas. Já aberto o portão de casa pra voltar da rua, escuto a Viúva do Italiano me chamando da esquina. Desce a rua com sacolas pesadas. Quer saber se eu quero manga. Foi até o parque municipal buscar das mangas pequenas que são as melhores. Entra na varanda e vamos colocando as frutas, que são pra mim e pro menino, no banco azul. E a mulher fala baixinho. Ela ri tranqüila e eu sou menina na rua. Os vizinhos são O Italiano, Os Filhos do Italiano, A Mulher do Italiano. O Gigante Violeiro, um negro enorme, sempre de chapéu de palha, que me põe medo quando tira as caixas de abelhas da vizinhança com as mãos e uma risada sem som: o rosto aberto num sorriso largo e calmo cercado de abelhas nervosas, visto debaixo pra cima, me paralisa. A Mulher do Colar, que depois descobrimos ser um colete pra coluna. A Bruxa Da Casa de Tábua, que joga urina do penico na rua. Pela Viúva do Italiano, soube que eu e minha irmã somos As Meninas do Dentista. Ela me conta dos bailes onde encontra os namorados e me surpreende. Aí também soube que eu cresci de alguma forma, também fora da casca, que agora sou a Viúva do Homem Vistoso, Mãe do Menino Loiro. Sou mais uma das mulheres que cria seu filho no feudo da rua. E que todo esse agregado descritivo próprio da nossa memória trovadoresca vai continuar.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Conjugação de expressões

Foto: Henri Cartier-Bresson (França, 1908-2004). Rue Mouffetard, Paris, 1954.


- Deixa eu ver o que você escreveu?
- Nem que a vaca converse em vacatusseis!

domingo, 1 de junho de 2008

O cerco


Foto: Alexander Rodchenko (Rússia, 1891-1956).


Sigilo rotundo bordejando o grito
magro de dizer da vida
querela de mim seguindo
mesmo corpo
passo
atrás do passo único
som seco
não retumba
cercamento de vida esvaída
no que eu grito.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Ode aos meus recantos

Foto: Manuel Álvarez Bravo (México, 1902-2002). Maguey.

elefantes e rinocerontes
não cabem no meu deserto
diminuto corpo árido
carreiras de formigas cortadeiras
letais pontadas tocaiadas.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Das reverberações

Foto: Ywgeni Khaldei. (Ucrânia, 1917-1997). Französische Strasse, Berlín, abril 1945.

Uma reportagem em jornal estrangeiro, 2003: no silêncio que o vento batendo no microfone da câmera oprime, dois jovens iraquianos caminham sobre os cacos abundantes da pequena casa, onde poucas horas antes encontraram os corpos de seus pais e do irmão mais novo. Pisando atentos os escombros (o som dos sapatos escorregando pesados nos restos de construção que sedem ao peso dos corpos compõe com o do vento no microfone da câmera) procuram por documentos, encontram fotos, pedaços de papel, e dizem em um inglês singular das lembranças desordenadas que o luto tão recente descobriu. O jovem mais duro abaixa e pega um livro. Depois de olhar a capa por um tempo interminável só coberto pelo vento, diz que o pai, que não gostava de ler, só lia aquele poeta espanhol que tinha perecido numa guerra. Abre o livro e encontra o que queria. Olha de frente a câmera e lê em árabe, língua tão própria ao poeta andaluz. Joga o livro de volta aos escombros sem olha-lo. A câmera fecha na capa do livro: em fundo vermelho forte, a foto mais conhecida de Garcia Lorca em verde.

domingo, 25 de maio de 2008

Cartões russos (trecho)

Foto: Horacio Coppola (Argentina, 1906). Calle Victoria esquina San José, 1936.

Uma cidade é sempre uma invenção tão pessoal quanto as vidas que comporta. Lembrava-se da cara que fez, de Carmen ouvindo a música do destino nas cartas ciganas, quando encontrou os versos de Tarkóvsk no emaranhado das cartas-cartões, lívida e corajosa. Duas linhas em caneta tinteiro, em letras similares ao que já havia visto talvez um dia quem sabe onde perdido no seu tempo que foi se prolongando.
Pediu a informação ao garçom. Sério e solícito, ele disse que não sabia dizer, mas iria ligar para o serviço de informações da cidade. Da mesa onde estava, através da grande janela de vidro fosco, cheia de cartazes e adesivos e cardápios (: El Rincón Del Cacique, Savarin Turismo compromiso por el servicio de calidad, Super Mila huevo frito ensalada 2,99, Fiesta Gaúcha, Hotel Europa a metros del obelisco, ponga línea celulares tajeta de 80, La Perla café-bar-minutas, Tango show Humberto 1º 489), pode observar o homem ao telefone. Voltou minutos depois com um pequeno papel: colectivo 28 + Maipú. Ainda gesticulando como quando ao telefone, com os olhos muito escuros mantidos baixos no papel, e com o movimentar interrompido e várias vezes brusco do bigode tão longo que lhe escondia a boca, disse que deveria descer na segunda parada, dobrar a esquerda logo no fim da mesma quadra. Poderia ver o prédio na esquina. Entregou o troco do café, agradeceu, mal ouviu os agradecimentos pela informação e voltou-se em direção à porta estreita do café, sempre vago, fugidio, sem paciência, cansado. No limite entre o toldo do café e o céu nublado, as pontas dos sapatos de pequenos saltos começavam a receber a fina garoa, que ia se espalhando e descendo pela superfície até fazer a volta do solado, e isso fez com que ela parasse.

sábado, 24 de maio de 2008

O lagarto

Foto: Juan Rulfo (México, 1917-1986). Troncos.

Tinha o rosto macilento e suas roupas nunca pareciam suas. As saídas de casa eram sempre rápidas, furtivas como os olhos. Quando precisava andar mais de um quarteirão, percebia-se nitidamente o desconforto nas mãos que percorriam os braços ou puxavam a barra da blusa. Sua voz tentava um tom mais baixo, mais suave, mas sempre soava falsa e constrangia. Não tanto quanto sua risada. Surgia tão despropositada e infame, nervosa, e terminava com uma espécie de soluço que se prolonga até sumir. Quando conversava mantinha uma seriedade distante, presa não no que ouvia, mas na rigidez de seus próprios juízos. Suas relações eram estúpidas. De cada frase, gesto ou assunto das pessoas que ainda restavam ao seu lado, tirava horas de um monólogo exaltado e inútil, onde sempre deixava claro o quanto as pessoas aproveitavam de sua bondade e disposição para ajudar. Era a única que acreditava nisso, mas não importava. Seu rosto congestionava, as rugas ao redor da boca se apertavam e movia os lábios numa tentativa ridícula de sensualidade. Nos olhos surgia um brilho seco, contundente e frio. E nessas horas as coisas que dizia, seus gestos, sua figura, provocavam em quem via uma angústia que conforme sufocava e subia aos olhos, poderia estrangulá-la. Foi num desses momentos que, olhando pela janela, viu um imenso lagarto verde atravessando seu jardim. Dirigiu-lhe toda sua fúria, lhe atribuiu toda a vergonha e desgraça que já sofrera e as possíveis vindouras. Quanto mais berrava mais se irritava com aquela indiferença de lagarto. Foi quando seus olhos quase saltaram com o bombear do sangue e seu grito tornou-se contínuo, que o lagarto soltou rapidamente sua língua. Depois de totalmente enrolado, o corpo foi puxado para dentro do animal, que imediatamente tornou-se imóvel como uma pedra. Suas unhas cresceram em segundos, cravando-o ao chão. Muitas foram as tentativas de tira-lo daqui, mas foi impossível. Então os passarinhos começaram a usa-lo para descansar e os musgos cresceram.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

O sonho da noite de chuva de granizo

Foto: Ansel Adams (Estados Unidos, 1902-1984). Mount Williamson, 1945.

Foi uma descoberta lenta o meu sexo masculino. Alto e magro de cabelos claros. Corria junto a outras pessoas. Fugia ao mesmo tempo em que tentava identifica-las. Não sabia ao certo se o que nos unia era a fuga ou se já nos conhecíamos, se éramos amigos. E mesmo antes de ter qualquer certeza, já estávamos todos presos em uma sala retangular escavada na pedra. Na tentativa de fuga havia perdido minha sandália esquerda, por isso fui o primeiro a sentir com mais intensidade algo não comum no chão da sala escura. Sabíamos todos que quem nos perseguia era de renomada crueldade. Comunicávamos essa certeza pelos olhares e gestos que tentavam conter o desespero. O medo era visível em cada um. Eu me via de dentro pra fora e de fora pra dentro ao mesmo tempo, o que me causava vertigem que era intensificada pelo temor do encontro físico com o perseguidor. Mas ele não apareceu assim. O que usou pra nos aterrorizar e dar a certeza de sua real existência e de nossa morte, foi o que cobria o chão todo numa camada espessa que machucava meu pé descalço e nos fazia perder a firmeza no andar: os dentes dos inimigos que mataram. Sem o encontro, o sonho pôde continuar por dias plantado na base da espinha dorsal como volúpia crescente pelo acontecimento brutal ainda indistinto, mas certo.

terça-feira, 13 de maio de 2008

As palavras no menino

Foto: Tina Modotti (Itália, 1896-1942). Fios telefônicos, 1925.

Quando alguém fala louca ou louco
na minha cabeça eu vejo uma corda comprida
que sobe e desce no ar
como a corda balançada pra gente pular.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Verticalidade

Foto: Alexander Rodchenko (Rússia, 1891-1956). En la acera, 1928.

as ruas têm falta de cheiro, o que me desnorteia
irritadiça calma da manhã, eu descubro, não existiu
nas calçadas todas abertas: desníveis, buracos, estreitezas
espalhadas pela cidade toda obtusa
segurei-me pela gola da roupa tantas vezes
impedindo a cara ralada no asfalto
que encrespou a pele no vento de casca de árvore
pasmada alta no vôo de urubus
sobrancerias maculadas daquele azul descaradamente
desdobrado por cima do mundo

terça-feira, 29 de abril de 2008

Desabafo

Fotomontagem: Alexander Rodchenko (Rússia, 1891-1956). A crisi, 1923.

Em todo canto é cão de pata torcida arrastada pendente. Pequeno sujo mole. Em todo canto é cão de pena perdida. Pisada na fronte. Cuspida em bueiro aberto. Rachando ao sol do deserto ventoso luminoso de restolhos. Dos cães que enchem os cantos de uivos sarnentos. E ele grita: não ti mete sai daqui. Dos esfomeados ganidos de raiva espumosa babada na ferida. Que é a minha: sai daqui. Dos cães das valas e churumes de sacos pretos rasgados. Fendidos ossos. Deles que povoam morrem desabam. Amam. Deles que são todos nossos. Deles o nosso. Tiro pela culatra. A cara mais suja. A cara mais lavada. A cara dura. Coice de mula. Mãe, tira daqui o muleque, mãe! Tira você daqui também, dona sinhora. De que coisa é feito? Cão medroso. Cão de merda. Tira daqui que a briga agora é de cachorro grande que nem eu. Tira o menor daqui sua mulher, que esse otro, ele deve! Num chora agora que já era.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Cotidiano

Foto: Sergio Larrain (Chile, 1931). Valparaíso, Chile, 1963.

Andando na calçada (pé pesado de não querer ir), seguiu a luta lenta das lufadas do vento de outono com as distorcidas mal acabadas asas da borboleta abóbora, abalando em semicírculos pesados o caminho que intensionava reto o passante, pelo trôpego apego insistente aos seus anuais minutos de um dia retidos pelo reto e branco muro tocaiado, findando em tombo a tarde ocre de pleurisia inflamada.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Noturno


Foto: Man Ray (Estados Unidos, 1890-1976).

A Garganta da Serpente: http://www.gargantadaserpente.com/toca/poetas/priscilamiraz.php?poema=3

Deitada ao contrário na cama,
cabeça pendurada
e vaga,
leve pressão da madeira na nuca,
raivosamente ignorava o que dizia você lá do outro lado,
e distraía o que fosse de pensar
com o cuidado trabalho dos dedos nos cabelos,
fazendo e desfazendo o trançado.
Sua voz sem sentido pungia nos ouvidos,
enquanto os olhos caíam à margem das palavras,
pesados de sono e desistência.
Assim,
som sem rosto,
foi você naquela noite
a certeza da obrigatoriedade da mentira.

sábado, 19 de abril de 2008

Confirmação

Desenho: Igor Miraz de Souza Dias. Abril de 2008.

Ver: http://descontinuoreverso.blogspot.com/2007/11/as-coisas.html


- Eu disse que foi o Saci, num disse mãe!