Descontínuo Reverso

Fotografia: Chema Madoz (Espanha, 1958).

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Interior 12: Suburbano


Grete Stern (Alemanha, 1940 – 1999). En el andén, 1949.

Para trabalhar, pego dois ônibus suburbanos. Do meio dia às quatro da tarde passo olhando pela janela e indo e vindo do lado de dentro do olho. São duas operações. Gosto da combinação, por isso prefiro ir muda e perdida do encadeamento de conversa. Mas às vezes ele acontece. Expulsa de algum conforto atendi à pergunta do senhor do banco em frente: só chegaríamos em Ourinhos duas da tarde, depois de parar em todos os pontos existentes até lá. Ele lamentou com sua voz rouca, um pouco gago, carregada do sotaque italianado que ainda permanece nos mais velhos da região, do que também se valia suas roupas desaparelhadas, seu cabelo branco e arrumado para trás com cuidado. O que mais chamava a atenção era o modelo do bigode, antigo: só uma fina faixa acompanhando o lábio superior, pelos duros, grisalhos. Enquanto me atinha ao bigode, escutava a voz rouca e via os olhos azuis me olhando comprido, pedindo para que eu estivesse enganada. Uma irmã havia falecido em Santa Cruz do Rio Pardo e o enterro seria às cinco da tarde. Mais uma vez me inquiriu sobre o tempo. Sem entender ainda da geografia, fiz o possível para parecer convincente na minha afirmação de que sim, ele chegaria a tempo. Durante o caminho ele não me falou mais. Ficou em silêncio com sua angústia de perder o velório da irmã. Em cada parada do ônibus se erguia no banco, olhava em torno tentando saber onde estava. Acredito ter olhado por muito tempo para a nuca dele, que não parou de se mover.