Descontínuo Reverso

Fotografia: Chema Madoz (Espanha, 1958).

sexta-feira, 21 de maio de 2010

preto no branco


Henrie Cartier-Bresson

Queria fumar no degrau branco da cozinha. Ver a chuva afogando o mato do fundo da casa, estragando as rosas abertas. Mas não tinha cigarros. A fineza da sombrinha servia minha ausência. Foi com ela que sai pra d’água. Achei a padaria ainda aberta. Eu não sorri pra moça do caixa naquela noite. Eu não vi a moça do caixa quando estendi a mão molhada e vi mais que senti as moedas do troco na palma. Queria voltar e sentar no degrau branco da cozinha. E fiz a volta longa. Não era costume, mas servia à minha ausência. Parei sob o toldo da barraca de caldo de cana fechada. Resolvi acender um cigarro ali. Só me dei conta das pernas das calças molhadas até os joelhos quando me apalpei procurando o isqueiro que não estava. Aliás, nem as chaves. Imaginei o chaveiro grande e brilhante se balançando do lado de fora da fechadura do portão branco. Como muitas vezes. A mão da prostituta tinha um isqueiro e acendeu o meu cigarro. Ela eu vi porque a minha ausência reconhecia o branco leite do esmalte dela. Ela fumou também. Olhou a chuva de frente e os meus pés em chinelos de esguelha. Eu também me olhava de esguelha e a chuva de frente. Conversamos às apalpadelas. Com recuos certeiros. Cheguei mesmo a sorrir. Acho que quase ri. Foi quando o moço chamou e ela me cedeu a vez, desafiando com a mão que segurava o terceiro cigarro. Queria provar minha singeleza. Minha ingenuidade diante da posse da sinceridade masculina que era dela. Abrir uma vala sob o toldo. Queria que fosse outra vez fácil de nomear. De dar os lados a seus donos pra olhar de frente como olhava a chuva. Com a minha ausência aplainando o ouriçado dela refiz a unidade do toldo. Eu fui.