Em todo canto é cão de pata torcida arrastada pendente. Pequeno sujo mole. Em todo canto é cão de pena perdida. Pisada na fronte. Cuspida em bueiro aberto. Rachando ao sol do deserto ventoso luminoso de restolhos. Dos cães que enchem os cantos de uivos sarnentos. E ele grita: não ti mete sai daqui. Dos esfomeados ganidos de raiva espumosa babada na ferida. Que é a minha: sai daqui. Dos cães das valas e churumes de sacos pretos rasgados. Fendidos ossos. Deles que povoam morrem desabam. Amam. Deles que são todos nossos. Deles o nosso. Tiro pela culatra. A cara mais suja. A cara mais lavada. A cara dura. Coice de mula. Mãe, tira daqui o muleque, mãe! Tira você daqui também, dona sinhora. De que coisa é feito? Cão medroso. Cão de merda. Tira daqui que a briga agora é de cachorro grande que nem eu. Tira o menor daqui sua mulher, que esse otro, ele deve! Num chora agora que já era.
Descontínuo Reverso
Fotografia: Chema Madoz (Espanha, 1958).
Fotografia: Chema Madoz (Espanha, 1958).
terça-feira, 29 de abril de 2008
quinta-feira, 24 de abril de 2008
Cotidiano
Foto: Sergio Larrain (Chile, 1931). Valparaíso, Chile, 1963.
Andando na calçada (pé pesado de não querer ir), seguiu a luta lenta das lufadas do vento de outono com as distorcidas mal acabadas asas da borboleta abóbora, abalando em semicírculos pesados o caminho que intensionava reto o passante, pelo trôpego apego insistente aos seus anuais minutos de um dia retidos pelo reto e branco muro tocaiado, findando em tombo a tarde ocre de pleurisia inflamada.
quarta-feira, 23 de abril de 2008
Noturno
Foto: Man Ray (Estados Unidos, 1890-1976).
A Garganta da Serpente: http://www.gargantadaserpente.com/toca/poetas/priscilamiraz.php?poema=3
Deitada ao contrário na cama,
cabeça pendurada
e vaga,
leve pressão da madeira na nuca,
raivosamente ignorava o que dizia você lá do outro lado,
e distraía o que fosse de pensar
com o cuidado trabalho dos dedos nos cabelos,
fazendo e desfazendo o trançado.
Sua voz sem sentido pungia nos ouvidos,
enquanto os olhos caíam à margem das palavras,
pesados de sono e desistência.
Assim,
som sem rosto,
foi você naquela noite
a certeza da obrigatoriedade da mentira.
sábado, 19 de abril de 2008
Confirmação
Desenho: Igor Miraz de Souza Dias. Abril de 2008.
Ver: http://descontinuoreverso.blogspot.com/2007/11/as-coisas.html
- Eu disse que foi o Saci, num disse mãe!
quinta-feira, 17 de abril de 2008
Trecho de conto sem nome
Foto: Herbert List (Alemanha, 1903-1975). Gafas de sol, Vierwaldstättersee, 1936.
Despencou do maleiro do guarda-roupa a coberta de lã cinza axadrezada em verde e preto. Nas pontas dos pés abria aquele maleiro e de imediato o mal guardado lá lhe vinha por cima. Enquanto arrumava a cama pra dormir, com a luz fraca do abajour acesa no criado-mudo, percebeu que tinha silêncio. Poucas vezes o barulho ininterrupto daquele corpo que funcionava do lado de dentro dos óculos lhe permitia pensar que ele não era ouvido desse lado onde o direito do corpo vivia, com os óculos sempre metidos na cara. Foi dessas percepções bruscas daquilo que desde a infância vamos descobrindo. Que ocorrem com certa freqüência durante o percurso. Parou ali, com as pontas extremas da coberta seguras nas mãos imóveis, enquanto o pano pesado desdobrava lentamente, caindo suave, os olhos revirando pra cima e pros lados, esperando. Constatou que realmente tinha silêncio. Insistiu na constatação até que este invisível surpreendido lhe apertou as formas de carne. Aí se lembrou, continuando a onda de assombros, porquê essas consciências vão e vem, não sendo passíveis de convivência. Só se pode lembra-las. Lembrar de que existe o que imobiliza no mais simples, e assim saber valioso o óbvio.
segunda-feira, 14 de abril de 2008
Interior 6: transvendo o trem caipira
Foto: Eduard Weston (Estados Unidos, 1886-1958). Concha, 1927.
Texto publicado sábado, 12 de abril, no suplemento cultural Algo mais, do jornal Diário de Assis: http://algomaisculturalassis.blogspot.com/
Também em Catadores Caipiras: http://catadorescaipiras.blogia.com/temas/transvendo-o-trem-caipira.php
Também em Catadores Caipiras: http://catadorescaipiras.blogia.com/temas/transvendo-o-trem-caipira.php
Depois de assistir ao documentário do antropólogo argentino Alex Portugheis, Catadores Caipiras, senti ecoando os versos de Manuel de Barros: “O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. / É preciso tranver o mundo.”
O trabalho de Alex em Assis começou em janeiro de 2007, quando filmou o cotidiano dos catadores por um mês. De volta a Buenos Aires, tinha horas de material gravado, modas de viola, a língua portuguesa mesclada ao castelhano, e muitas lembranças de um Brasil que não chega aos noticiários estrangeiros. O que resultou desse trabalho ele nos traz agora: sua “transvisão”, a tão necessária desnaturalização do olhar, prerrogativa para a criação de possibilidades e de ações. É um olhar estrangeiro sobre nós que impõe questionamentos novos, nos fazendo repensar o lugar-comum justamente quando nos mostra o que nos circunda através das mudanças de perspectivas nas interações sociais na luta dos catadores pelo reconhecimento do seu trabalho: os bairros, a cidade, a região, o país. No documentário, O trenzinho caipira, música de Villa-Lobos e poema de Gullar, segue como o caminhão da Coocassis, transformando para continuar.
O trabalho de Alex em Assis começou em janeiro de 2007, quando filmou o cotidiano dos catadores por um mês. De volta a Buenos Aires, tinha horas de material gravado, modas de viola, a língua portuguesa mesclada ao castelhano, e muitas lembranças de um Brasil que não chega aos noticiários estrangeiros. O que resultou desse trabalho ele nos traz agora: sua “transvisão”, a tão necessária desnaturalização do olhar, prerrogativa para a criação de possibilidades e de ações. É um olhar estrangeiro sobre nós que impõe questionamentos novos, nos fazendo repensar o lugar-comum justamente quando nos mostra o que nos circunda através das mudanças de perspectivas nas interações sociais na luta dos catadores pelo reconhecimento do seu trabalho: os bairros, a cidade, a região, o país. No documentário, O trenzinho caipira, música de Villa-Lobos e poema de Gullar, segue como o caminhão da Coocassis, transformando para continuar.
terça-feira, 8 de abril de 2008
Translineação
quarta-feira, 2 de abril de 2008
Fazendo caminhos
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