Descontínuo Reverso

Fotografia: Chema Madoz (Espanha, 1958).

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Trecho de conto


Eugène Atget (França, 1857-1925). Intérieu Avenue Montaigne: la cuisine, 1910.


Naquela manhã do dia 21 de junho abriu a janela da cozinha com descuido de coisa costumeira. A pequena janela de vidro sujíssimo que guardava alta a parede da cozinha. E aberta a janela e as narinas, inspirou fundo e trouxe o frio pra dentro do corpo em pequenas agulhas de cristal azulado, sapatinhos de pregos perfazendo o interior oco do corpo. Foi como se cócegas espasmassem a casca da velha protegida em coisa de lã. Sentiu doer repentinamente o canto esquerdo da boca, como se recebesse ferimento naquele instante, pra logo em seguida conferir que os latejos eram os mesmos de sempre. Só tinham despertado em atraso naquela manhã aurora.
Em outro lugar não poderia encontrar minha tia.
A voz do menino, mucosa. Procurou a tia por mais de uma semana. Reviu a cidade depois de anos. Ainda podia movimentar-se nela com a memória. E encontrou a casa com a tia metida dentro, azulando o ar com a respiração velha. Não respondia ao menino. Olhava detrás dos olhos parados nele.


2 comentários:

Anônimo disse...

Sempre passo por aqui minha querida. Você e estes trechos de prosa, nunca um conto conto, um trecho de conto, um escrito de postal, uma estória que se esboca e logo acaba. Diga lá.

Anônimo disse...

A propósito de sua Visita:

Querida Miraz, Priscila:
Sua atenção não tem preço.
Porque pousaste as pupilas
Nos meus versos -- agradeço.