Descontínuo Reverso

Fotografia: Chema Madoz (Espanha, 1958).

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Necessário


Albert Renger – Patzsch (Alemanha, 1897 – 1966). Retrato de mulher. Por volta de 1940.

A xícara de chá fumegava quase no centro da mesa. Entrelaçava os dedos das mãos trêmulas. Os lábios tremiam junto, e se retorciam pelo choro que tentava conter. A qualquer momento ele sairia do quarto. Espreguiçaria e lhe daria um beijo na cabeça, ainda antes de terem se olhado pela primeira vez naquela manhã. Ele perguntaria se tem café pronto: tem. E tem chá também. Hoje eu preferi um chá. Ele sentaria na cadeira a sua frente. Acomodaria a xícara entre as duas mãos em concha, se reconfortando na mistura do calor da cerâmica nas palmas com o cheiro forte do café muito escuro, quase sem açúcar. Só então levantaria os olhos, ainda acostumando com a luz da manhã, para a que em sua frente olha e treme. E veria que treme o corpo todo. Que seu corpo sofre um abalo na raiz. Que o tremor precede um derramamento, um desabamento de órgãos como terrunhos soltados das raízes desabam outra vez na terra, pro buraco de onde vieram. O tremor precedente do instante único onde um tormento começa e acaba. Ela olharia seus olhos medrosos e então, finalmente, teria que dizer.

4 comentários:

H disse...
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H disse...
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H disse...

E ele já sabia. Não era pelo inverno que ela se contraía: tinha deixado de alisar os tapetes com os pés para desdobrá-los, não conversava com as plantas, esquecia de condimentar com canela, e nem permanecia à soleira, com um pé apoiado na panturrilha, a mão nas costas e o rosto inclinado a observar o movimento das luzes.
Certo ele estava de que seria inevitável. E se organizara para aquele momento. Não haveria contrargumentação, palavra alguma seria suficiente.

priscila miraz disse...

seja vem vindo, H.