Descontínuo Reverso

Fotografia: Chema Madoz (Espanha, 1958).

segunda-feira, 19 de maio de 2008

O sonho da noite de chuva de granizo

Foto: Ansel Adams (Estados Unidos, 1902-1984). Mount Williamson, 1945.

Foi uma descoberta lenta o meu sexo masculino. Alto e magro de cabelos claros. Corria junto a outras pessoas. Fugia ao mesmo tempo em que tentava identifica-las. Não sabia ao certo se o que nos unia era a fuga ou se já nos conhecíamos, se éramos amigos. E mesmo antes de ter qualquer certeza, já estávamos todos presos em uma sala retangular escavada na pedra. Na tentativa de fuga havia perdido minha sandália esquerda, por isso fui o primeiro a sentir com mais intensidade algo não comum no chão da sala escura. Sabíamos todos que quem nos perseguia era de renomada crueldade. Comunicávamos essa certeza pelos olhares e gestos que tentavam conter o desespero. O medo era visível em cada um. Eu me via de dentro pra fora e de fora pra dentro ao mesmo tempo, o que me causava vertigem que era intensificada pelo temor do encontro físico com o perseguidor. Mas ele não apareceu assim. O que usou pra nos aterrorizar e dar a certeza de sua real existência e de nossa morte, foi o que cobria o chão todo numa camada espessa que machucava meu pé descalço e nos fazia perder a firmeza no andar: os dentes dos inimigos que mataram. Sem o encontro, o sonho pôde continuar por dias plantado na base da espinha dorsal como volúpia crescente pelo acontecimento brutal ainda indistinto, mas certo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Me fez pensar nos aztecas temendo os efeitos da natureza e associando aos deus. Me fez lembrar também da Dona Laura dizendo, com muita naturalidade e tranquilidade, que não devemos temer o fim do mundo, mas sim acreditar na escolha de Deus.

priscila miraz disse...

Da vero, má...

Anônimo disse...

Da vero, Má e Pri! (Seria
um conto erótico para mim, como começa a descrição, e eu seria o perseguidor!!!)