Descontínuo Reverso

Fotografia: Chema Madoz (Espanha, 1958).

quinta-feira, 27 de março de 2008

Convalescença

Foto: Manuel Álvarez Bravo (México, 1902-2002). Sábana caída, década de 1940.

Quando a garganta trancava em dor (criança, a mãe lhe amarrava um lenço com álcool e cânfora forte no pescoço), os olhos atravessavam a janela. A janela que insistia em abrir seca e ferruginosa, de cara pro muro descascado, guardado na casa de esquina: anos, metros, minutos, quarteirões atrás, onde três pequenos vasos lhe engrandavam a visão dos miolos roxo-escuros dos amores-perfeitos, tão vivamente amarelos. Na fraqueza que sentia, o retumbar dos resquícios móveis e sincrônicos da cor amarela que lhe ficavam nas pálpebras fechadas era o provocador do enjôo. Sentia os movimentos dos órgãos e sem se dar conta, vinha o seu esforço em conter, em segurar o pouco do alimento ingerido à força. Depois a languidez suada do fim da febre, a suave sensação de não pertencer mais a nenhum plano definido, claro, fixo. O muro com os vasos era tantos muros e as tonturas de Lídia tantas voltas de seu corpo, tatos indeléveis das idas e vindas da enfermidade desde a infância. A solidão crua, sem rodeios que tinha agora, foi revelada pouco a pouco pela cama de lençóis brancos, pelo cheiro de remédio constante, pelo afago suspiroso dos próximos enquanto dormia arfante e sôfrega, nos sorrisos apressados de preocupação distante, no leve beijo na testa recebido do marido, e se tornou óbvia no instante de um raio, quando tirou os adornos do silêncio do quarto, e escutou o fado chorado em ais, lamentando o destino dos que não nasceram para viver o amor.

5 comentários:

Anônimo disse...

Dauerten wir unendlich
So wanderte sich alles.
Da wir aber endlich sind
Bleibt vieles beim Alten.

BB

Dizem que é genético! Já te disse?!
Fossemos infinitos...

priscila miraz disse...

por favor, traduza.

Anônimo disse...

Se fossemos infinitos
Tudo mudaria
Como somos finitos
Muito permanece

Anônimo disse...

Olhei com os olhos curiosos, de quem se perde em palavras. Senti forte a brisa que vem de seus sonhos e resolvi conhecer um pouco mias do devaneio da artista.Estou lendo atento, com os olhos de quem não julga, mas se impreciona com os passos da poetisa. Sei que o nosso ofício é solitário, sei que sou a solidão em pessoa, mas gosto de dividir versos, de trocar sonhos, de me embreagar em outros mares.
Gosto também de me perder em palavras estranhas de gente estranhas( Não tão estranha), mas estranho o que sinto quando te leio. Assim, que conseguir o seu e-mail te mandarei meus versos para compartilhar. ...Até mais e vou ler mais um pouquinho de você....

priscila miraz disse...

vou gostar muito.
meu email é priscilamiraz@yahoo.com.br
espero notícias.