
Quando a garganta trancava em dor (criança, a mãe lhe amarrava um lenço com álcool e cânfora forte no pescoço), os olhos atravessavam a janela. A janela que insistia em abrir seca e ferruginosa, de cara pro muro descascado, guardado na casa de esquina: anos, metros, minutos, quarteirões atrás, onde três pequenos vasos lhe engrandavam a visão dos miolos roxo-escuros dos amores-perfeitos, tão vivamente amarelos. Na fraqueza que sentia, o retumbar dos resquícios móveis e sincrônicos da cor amarela que lhe ficavam nas pálpebras fechadas era o provocador do enjôo. Sentia os movimentos dos órgãos e sem se dar conta, vinha o seu esforço em conter, em segurar o pouco do alimento ingerido à força. Depois a languidez suada do fim da febre, a suave sensação de não pertencer mais a nenhum plano definido, claro, fixo. O muro com os vasos era tantos muros e as tonturas de Lídia tantas voltas de seu corpo, tatos indeléveis das idas e vindas da enfermidade desde a infância. A solidão crua, sem rodeios que tinha agora, foi revelada pouco a pouco pela cama de lençóis brancos, pelo cheiro de remédio constante, pelo afago suspiroso dos próximos enquanto dormia arfante e sôfrega, nos sorrisos apressados de preocupação distante, no leve beijo na testa recebido do marido, e se tornou óbvia no instante de um raio, quando tirou os adornos do silêncio do quarto, e escutou o fado chorado em ais, lamentando o destino dos que não nasceram para viver o amor.